Quem conversa com quem?
Suzana Maria de Paula Mendonça
Agosto/2025
Foi lá no Sitio do Sinhô, lugar recheado de novidades e estranhezas enriquecedoras. Local de trabalho do Camarada. Viviam às margens de um límpido rio, cercado de exuberante natureza, onde as noites se enchem de brilhantes estrelas e a lua é sempre cheia. Amor, carinho, coragem, sabedoria e alegrias. Os dois cuidando prazerosamente dos mais divertidos animais. E a surpresa é GRANDE e o aprendizado ENORME. Pode parecer exagero, mas foi uma grata e feliz surpresa ter presenciado tudo aquilo. Talvez alguns trechos se tornem engraçados, mas foi um grande aprendizado. Concluo desde já que, o local foi construído com a simplicidade da escuridão da noite, a pureza do luar, amor do criador, cuidado da natureza, respeito aos animais, sinceridade dos donos e muito mais coisas boas. Tudo de bom e rico, presentes nas relações entre o Sinhô e os outros personagens e, em específico, com os animais, que eu penso que se sentiam amados e realmente se comunicavam com Sinhô. Eu presenciei, eu vi, eu estive lá.
Participei de muitos passeios, coisas diferentes, lugares bonitos e tudo muito fora do habitual dia a dia. Uma grata e verdadeira surpresa. Um sitiante que chamava as vacas e seus outros animais, mesmos os animais visitantes, pelos nomes. E o incrível da história, todos o atendiam. Ele estava e penso que lá sempre permanecia, calmo, sossegado, semblante terno, conectado com a terra e com os animais e com elegância, chamava em alto e bom tom as suas vacas para ordenha: “Estrela, Bia, Formosa, Pintada, Esmeralda, Rajada” e tantas outras, e todas vinham e esperavam ser ordenhadas e seguiam o caminho. E outra não mais inesperada surpresa, foi quando o Camarada o interrompe e diz: “Pede o boi para deixar passar.” E ele chama o boi, pelo nome, Dengoso e entabula a conversa ao pé da orelha. Explica ao boi que ele precisava deixar as vacas passarem. Manda o boi ir para o outro lado e ficar calmo. Fala que ninguém ia chegar perto dele. O boi volta para outro lado, ao final do curral e fica de costas. Sinhô explica que o boi não gosta de estranhos, nem de gente. E rimos. Eu não tinha uma filmadora, não tinha nada para gravar, então optei por escrever antes que a memória me traia. E não para por aí. O gato aponta e o Sinhô diz: “Canela chegou! Chegou tarde hoje. Traga a comida e o leite dele”. Vira-se para o Gato, chamado Canela e diz: “atrasou hoje, agora espera.” O Camarada leva uns trinta minutos para trazer a comida do gato. Enquanto isso, o gato se deita, levanta, encosta no sinhô e o obedece quando escuta: “Calma, espera, não me atrapalha, senão eu tropeço em você e caio”. Após a ordenha, tivemos oportunidade de tomar o leite direto da teta no copo. Uma experiência saborosa. Teve caminhadas pelas áreas do sitio, conhecer as plantas, as árvores e toda área plantada de capim e cana para alimentar o gado. Vimos cada processo, cada etapa. E enquanto isso, as coisas aconteciam. Havia um cachorro deitado e perguntamos o nome dele e Sinhô disse: ele só trabalha quando o gado está solto, se precisamos prendê-lo, por isso, ele fica só na tranquilidade. No local preferido, na porteira de entrada, ele sabe que é por aqui que passamos na hora que ele vai trabalhar. E diz ao cachorro: “Levanta ventania, deixa a porteira livre fica lá com os bezerros”. E o cachorro vai e fica onde o Camarada está, a escovar os bezerros.
O passeio continua e Sinhô abaixa e levanta e arranca uma folha ali, outra aqui e cheira e nos dá para cheirar e conhecer. Carqueja, aroeira, trançagem, confrei, arnica, babosa e outras mais. Ao atravessar a estrada que corta o Sitio, Sinhô encontra um conhecido que para, conversa e falam de outro amigo em comum e que está doente por abusar de frios, esforços e tudo o mais e Sinhô diz: “fala pra ele amarrar as calças”...
Rimos e continuamos, encontramos a Charmosa, a gata do Sinhô, que para, e olha para ele, e toma logo uma bronca. Bronca por ter estado muito tempo fora, e ele a manda ir para casa e ficar lá. Ela vai correndo, entra na casa e fica na sala em frente a porta tomando sol. Retornamos a casa e a vimos. Sinhô diz a ela: “vai comer, bebe água e fique quieta. Ela se levanta e vai comer, toma a água e volta quieta”.
O camarada chama e diz: “o Dengoso não quer deixar as vacas saírem e a Estrela está comendo no cocho dos bezerros”.
Sinhô, sai da casa e diz: “Ave Maria! Ave Maria! Ave Maria, três dias... E grita Dengoso, fora! Fora”! Dengoso fica na cerca e Sinhô vai ao lado do boi e começa a passar a mão nele e conversa como se fosse gente. Enquanto isso, as vacas saem para o pasto. Ele nem falou com a vaca, ela só ouviu a voz dele com o boi e saiu do cocho e foi para porteira para sair. Lá já estava a postos o Ventania. Caminhamos juntos até um pasto perto e cercado. Voltamos e em seguida fomos em direção a um pequeno curral de bezerros e Sinhô passa a mão nos bezerros, com muito carinho, da cabeça ao rabo, elogia o pelo, fala da força, dá tapinhas carinhosos e leva umas suaves cabeçadas. Saímos e fomos nos sentar na cozinha, ao lado do fogão a lenha onde estavam batatas doces e espigas de milho assadas na brasa. O que ouvia: “que delicia, são doces e saborosas”. Sinhô diz:” a natureza responde de forma vital se você não a maltrata”. Foi aí que descobri o significado das expressões, sabor de natureza, beleza das relações e a força do amor quando se faz e sabe do que gosta.
Junho/2025
Moravam em uma pequena comunidade muitas pessoas. O nome da comunidade é Comunidade Sementes Tratadas, Cada um fazia algo para melhorar, primeiro a casa e o seu terreno e, depois, a comunidade como um todo. O que as pessoas tinham em mente era o manter o progresso sem perder hábitos saudáveis de interior e conviver com pessoas que mantivessem valores positivos. Todos plantavam aquilo que era de suas preferências. E, claro, colhiam o que plantavam. Uns gostavam só de jardins para atrair borboletas e para enfeitar as casas. Outros, de árvores frutíferas para os pássaros e para consumo. E de fato, tudo ia muito bem. Um dia, ocorreu um fato muito inusitado. Uma praga invadiu a horta de um vizinho e destruiu as flores e as frutas. Uma semana depois um tipo de vírus adoeceu e matou galinhas, porcos e outros animais, inclusive os de estimação. Descobriram que por descuido, falta de atenção e poucos cuidados, o fato ocorreu. Resolveram dar uma oportunidade. Na mesma terra, nas mesmas mudas, as mesmas espécies, da mesma maneira. Em outro momento, outra praga destruiu um jardim. Descobriram e deram mais uma oportunidade. Passados alguns meses, um tipo de bactéria feriu fisicamente a dona de um próspero estabelecimento, descobriram que tipo foi. Deram também uma oportunidade. E de oportunidade em oportunidade, aumentaram os prejuízos. Até que a dignidade, a integridade de todos foram atingidas. Cansados das irresponsabilidades, a comunidade se uniu e contratou especialistas em cada área. Fruticultor, veterinário, botânico e outros. Assim, eles com o trabalho deles, restauram a lei e a ordem. Faziam palestras educativas, ensinaram o respeito à terra, o cuidado com a pureza da água, a renovação da do solo e o como cultivar de cada elemento, seguindo o gosto e escolha de cada um. Resgataram o respeito, determinou cada responsabilidade individual, obrigou seguir as leis através da compreensão delas. E, com isso, evitaram que ocorressem os confiscos mais perigosos, como a paz de algumas pessoas, os alimentos, os prazeres e a alegria de viver para seguir desfrutando da liberdade individual. Os direitos, os valores, a vida, passaram a perpetuar e permanecer na comunidade, em paz. Com progresso continuo. Descobriu-se com estes fatos, que existem os diferentes tipos de necessidades para cada tipo de produto. Passaram a utilizar das armas legais contra ervas daninhas, fungos, vírus, pragas, sim pragas que precisam ser tratadas para não saírem do controle, para não espalhar e todos acharem que é normal ou que faz parte da natureza. Mas, sambemos que não é assim, que não é normal, que não faz parte da natureza humana. E foi de forma responsável, com olhar amoroso, com individualidade, com amor sem condições e trabalhos restaurativos, que resgataram os valores, a capacidade de autorregulação, uma melhor forma de canalizar a raiva expressada com violência pela perda dos produtos. Com o resultado, motivou para novos plantios e novas espécies. Os limites entre os canteiros, terrenos, qualidades e tipos de produtos, passaram a ser respeitados, por serem extremamente necessários. No final, observou-se a melhora da autoestima, capacidade e habilidade para lidar com as perdas e elaborar os lutos delas, porque há espécies de flores que são raras, caras, e as vezes, difíceis de florescer. Novas estratégias de enfrentamento da dor e do sentimento de vingança, de menos valia e superação dos maus tratos ao longo da vida, foram recuperados. Afinal, levantar cedo trabalhar no frio, na chuva, no calor, de segunda a segunda, é um esforço e requer amor. Amor próprio, amor incondicional, amor à terra e ao trabalho. Os modelos antigos também são revisados para serem adequados aos contextos e épocas. Eis a descoberta! O plano! A ação! A reavaliação! Novas propostas, nova vida e o melhor, novo ser humano.
Suzana Maria de Paula Mendonça
Março\2025
Num jardim encantado viviam flores de várias espécies, tamanhos diversos, cores diferentes e outros canteiros com bastantes mudas para serem reproduzidas. Num dos canteiros tinha uma flor que se sentia diferente, desde muito pequena ela tinha sonhos que outras flores de sua idade não tinham. Ela gostava de coisas que ninguém na família gostava, pelo menos, assim era o discurso familiar. Em comemorações e festas, ela nunca estava feliz, completa ou plena. Não sabia desfrutar ou não se sentia pronta ou não conseguia ficar à vontade? Não sei. Na primeira oportunidade de sair do jardim e conhecer outros jardins, ela foi. Sem saudade de nada ou de nenhuma flor em especial. Um dia pensando em si e na sua história, concluiu que não se sentia pertencente, descobriu que sim, as inúmeras coisas de que ela gostava, sonhava e queria, muitos antepassados gostavam e faziam. Claro que ela considerou as devidas épocas e contextos. Ela oscilava entre mágoas, arrependimentos e construções do dia-a-dia. Trabalhava muito e diariamente nos próprios sonhos e propósitos. Investia em autoconhecimento. Identificou os próprios padrões de comportamentos e foi se modificando internamente. Trabalhou todos os aspectos. Um detalhe muito interessante foi a compreensão de um apelido que ela tinha recebido no inicio da adolescência, “Flor do Pântano” foi muito gratificante e, ao mesmo tempo, chocante a compreensão. Ela ia ao jardim encantado, mas, a tendência foi se afastar muito, com passar do tempo. Chegou um momento que precisou retornar ao jardim com mais frequência. E percebia que era tudo tão diferente. A terra, as plantas, o tempo, as disposições dos canteiros. Tudo estava diferente e os sentimentos de não pertencimento, de estranheza, de desconforto eram os mesmos. Ela era atualmente uma planta mais evoluída e buscou ajuda para melhor compreender o processo. E descobriu que tudo estava ligado as questões ancestrais. O primeiro passo, foi assumir que podia se alegrar e lidar com o jardim antigo com interesse e gratidão por tudo e todos. Participar dos eventos com discrição e que essa era uma qualidade dela. Em seu canteiro, buscou dar o melhor tom e arranjo que descrevesse a própria personalidade. Continuou utilizando de suas virtudes, qualidades e oportunidades para melhor se inteirar e participar dos eventos. Entendeu que ela precisa e pode fazer mais por si mesma para manter-se em equilíbrio.
PERGUNTAS:
O que é construir um jardim?
Quais os elementos necessários para construção de um jardim?
Livro: Mentes Dispersas.
Autor: Gabor Maté
Editora: Sextante